“My Dress-Up Darling” desafia a nossa noção de moralidade nos animes – e nós perdemos esse ponto

“My Dress-Up Darling é complexo”, disse um dos apresentadores de um podcast que eu acabei de assistir. E não foi a primeira vez que eu ouvi ou li algo do tipo: esse anime parece mesmo incomodar de um jeito diferente, só que a cada comentário eu vejo uma justificativa nova. Mas afinal, o que é tão “problemático” com esse anime?

Primeiro, um breve resumo da minha experiência pessoal com o anime. Eu comecei a assistir depois de ter terminado a temporada de “Bocchi The Rock” e ter ficado órfão de um bom anime slice-of-life escolar. Foi quando eu vi que no início de 2022 o estúdio CloverWorks, o mesmo de “Bocchi…”, tinha feito outros dois animes do mesmo gênero: “Akebi’s Sailor Uniform” (que já ganhou resenha aqui no blog) e “My Dress-Up Darling”.

Desde o início eu fiquei (mais uma vez) impressionado com o trabalho do estúdio, porque considerei “My Dress-Up…” bastante bonito e bem animado. O tema também me agradou, porque eu gosto de comédias românticas. Então tudo estava favorável para mim, mas desde antes de assistir eu já sabia que esse anime teria o famigerado Ecchi. E que isso iria trazer este assunto de volta nas discussões da comunidade Otaku.

Eu pessoalmente não tenho problemas com Ecchi, mas eu entendo todas as razões que tornam esse subgênero delicado e fazem as pessoas rejeitarem esse formato. Inclusive, considero um tema até mesmo problemático dadas as notícias de autores de mangás envolvidos em crimes de abusos que as vezes nos surpreendem, o que é um contexto bastante desfavorável para os mangás e animes que contém Ecchi. Nesse ponto, então, a grande pergunta é: o Ecchi de “My Dress-Up Darling” é desnecessário? Para mim, a resposta é não, embora a justificativa esteja longe de ser tão simples quanto essa resposta.

Partindo do ponto que animes são um produto artístico, o conceito de “desnecessário” é extremamente subjetivo e as vezes até mesmo vazio, porque não há nada que seja de fato necessário em se tratando de arte. O necessário, na verdade, será aquilo que o autor colocar na obra, já que ela não existe por si só. Não estamos vendo a reprodução de algo que existe em algum lugar. Então a obra é o que ela é, e retirar partes dessa obra é, para todos os efeitos, criar outra obra. E isso é tão mais verdade quanto mais fundamental for a parte retirada. E a minha tese é que o “Ecchi” (aspas aqui) de “My Dress-Up…” é um aspecto fundamental do anime.

A Marin, no primeiro episódio, desabotoa a blusa na frente do Gojou, que fica extremamente constrangido. Isso mostra de cara o tom da relação entre os dois: a Marin é muito bem resolvida com o seu corpo, não sendo afetada nem mesmo por questões de pudor, sendo que esse é exatamente o grande problema de Gojou, que sempre escondeu tudo o que gostava de fazer. Seguindo na mesma linha, vemos a Marin escolhendo personagens de Ecchi/Hentai para fazer o cosplay, e esses personagens parecem simbolizar justamente esse ideal dela de liberdade com os próprios gostos, numa clara postura de auto-afirmação.

Essa é, a meu ver, a espinha dorsal dessa história. O romance entre os protagonistas, o desenvolvimento dos personagens, a comédia, tudo isso gravita em torno do desejo da Marin de se tornar cosplayer. E mesmo assim, não se trata apenas de ser uma cosplayer, mas de ser cosplayer das personagens que ela gosta, que fazem parte de obras fictícias de Ecchi/Hentai, e com as roupas feitas pelo melhor costureiro que ela teve a sorte de conhecer, o seu novo amigo Gojou. E sendo essa a base do anime, isso vai envolver ter Ecchi no anime. Retirar isso do anime é criar outro anime, porque todo o restante não faz sentido sem essa base.

Nem o Gojou nem a Marin estavam apaixonados um pelo outro desde o início. O Gojou sequer estava pensando ou esperando ter uma namorada. E por sinal, um dos sinais que a Marin estava começando a se interessar pelo Gojou foi justamente quando ela se sentiu constrangida quando ele estava tirando as medidas dela para fazer o primeiro cosplay apresentado no anime. Da mesma forma, talvez a própria cena do hotel, na minha opinião a cena mais marcante da temporada, não teria existido sem essa base, porque ela só pôde acontecer depois que o anime estabeleceu essa tensão específica entre os personagens.

Isso não significa que eu esteja dando carta branca para que o anime faça Ecchi livremente. Quando se trata das duas irmãs Shinju e Sajuna o anime perde bastante a mão. Primeiro porque a irmã mais nova é retratada com corpo de mulher mais velha e com “medidas grandes”, o que é um conceito no mínimo questionável. Segundo porque a forma como a Sajuna é introduzida é bastante estranha e aleatória, com a personagem caindo sem roupa na frente do Gojou, e depois havendo piadas a respeito disso. E é aqui que eu concordo que seria a parte do “Ecchi desnecessário”, no sentido de que são piadas problemáticas e não fazem a história avançar. Não sei se mais tarde essas personagens vão voltar a aparecer na história, mas pelo que deu para entender este foi apenas um arco. E retirar um arco da história é diferente de retirar os elementos que caracterizam a própria obra.

Uma última questão que eu queria trazer aqui é o comentário recorrente de que o Ecchi é direcionado para um público adolescente masculino hipotético, e que o Ecchi de “My Dress-Up…” faz o papel de “conquistar o público” para depois então contar a história de comédia romântica. Há realmente muitos mangás e animes que fazem isso. Mas aqui há um detalhe que passa despercebido: o mangá é originalmente escrito e desenhado por uma autora. É uma mulher desenhando a Marin naquelas poses. E isso me faz pensar o quanto a falta dessa informação afeta (ou não) a nossa visão da obra, porque eu sinto que todas essas análises assumem que esse tipo de obra é feita por homens. Mas esse não é o caso aqui. Então será que o adolescente masculino que curte ver garotas de biquini é realmente o público alvo de “My Dress-Up…”? Será que na verdade a questão da obra não é a sexualização, mas a auto-afirmação feminina?

Eu sinceramente não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas. E para ser sincero, eu acho que ninguém tem essas respostas, porque essas perguntas desafiam os nossos padrões e até as nossas “respostas prontas” do que é ou não excessivo. De certa forma, a autora faz com essa obra o que a personagem faz com os cosplays – causam “escândalo” e subvertem o que consideramos normal ou não. E é esse o motivo que eu imagino que explique esse “incomodo” que eu vejo nas análises deste anime.

Então, essas são as minhas impressões: “My-Dress Up…” é um ótimo anime com realmente bastante Ecchi, mas eu não vejo essas cenas como algo forçado, nem fora de contexto e nem excessivas de uma forma geral, salvo as exceções que citei. Só que enquanto estamos muito focados nisso, passamos batido pelo ponto de que a autora talvez queira propositalmente causar esse impacto e provocar essa discussão. Ou eu posso estar totalmente errado, e ser realmente só um anime de comédia romântica adolescente. Seja como for, eu estou curioso em saber como essa história vai continuar na segunda temporada.

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